Fundamentos da Ética Libertária

Fundamentos da Ética Libertária

Este texto apresenta os fundamentos da ética libertária, estabelecendo uma base lógica, dedutiva e jusnaturalista para a ética jurídica, livre de relativismo e sobrenaturalismo. A partir dessa abordagem, identifica-se de forma objetiva e universal quais leis jurídicas fundamentais são justas ou injustas. Deduz-se logicamente que a propriedade privada é a única base ética consistente para um sistema jurídico, pois evita contradições inerentes a outras concepções de justiça.

São explorados temas como a origem da propriedade por meio da apropriação original, a validade dos contratos e a distinção entre crimes reais—envolvendo vítimas e violação de propriedade—e os chamados "crimes sem vítima", que não são reconhecidos pela ética libertária. Além disso, discutimos a proporcionalidade na punição, o Princípio de Não-Agressão (PNA) e a possibilidade de criação de leis artificiais por meio de contratos voluntários, sem comprometer a liberdade individual.

O texto também examina a liberdade de expressão, fraude, censura, punição de crimes e a distinção entre leis naturais e leis artificiais. A conclusão reforça que a ética libertária, ao se fundamentar na propriedade privada e no respeito aos contratos voluntários, é a única estrutura ética capaz de garantir uma sociedade verdadeiramente livre e coerente.

  • "Ética": Desambiguação

A palavra "ética" já foi usada na história da filosofia com diversos significados diferentes, e por isso é importante esclarecer com qual significado ela é usada aqui, para evitar ambiguidades. Por exemplo, a "ética" pode ser considerada o estudo, ou âmbito, daquilo que é bom ou mau, ou daquilo que é um dever, obrigação moral, ou virtude. Por outro lado, a palavra "ética" pode ser usada para significar um sistema de regras e normas estabelecidas que orientam o comportamento humano dentro de um grupo social ou organização. No caso dos pensadores libertários da escola austríaca, como Murray Rothbard e Hans-Hermann Hoppe, a "ética" é considerada o âmbito das regras interpessoais, não apenas de uma sociedade específica, mas de qualquer sociedade, e o estudo de quais leis seriam justas ou injustas em qualquer sociedade em geral, com base em princípios lógicos e racionais. É com esse último significado, herdado do libertarianismo austríaco, que a palavra "ética" é usada neste livro. Ela se refere, portanto, às leis e ao âmbito jurídico mais fundamental, buscando, em última análise, discernir quais leis, e suas aplicações, são justas ou injustas.

Para que esse uso da palavra não obscureça o âmbito relacionado aos conceitos de bem e mal, virtude, dever e responsabilidade, fora do âmbito jurídico, usaremos a palavra "moral" para nos referirmos a esse âmbito.

  • Ética

O que chamamos aqui de "ética" é o âmbito e o estudo, derivados da praxeologia, de quais ações interpessoais podem ser permitidas ou proibidas em sociedade, de forma consistente. Ou seja, a ética é o âmbito jurídico das regras interpessoais mais fundamentais, que podem fundamentar a ideia de "justiça". Sistemas de regras interpessoais logicamente consistentes, e que não violem regras naturais, ou os princípios básicos da formação de ordem, seriam justos, enquanto sistemas inconsistentes seriam injustos. Sendo a sociedade um sistema de ações interpessoais, um sistema social que se baseie na ética correta seria justo, enquanto um sistema contrário à ética seria injusto. As regras adotadas em uma sociedade, que determinam quais ações são permitidas ou proibidas, são as "leis", no sentido jurídico. Todas as leis jurídicas, sejam autoritárias, democráticas, feudais, ou de qualquer outro tipo, em que uma ou mais regras determinam ações como permitidas ou proibidas em uma sociedade, se encaixam nessa definição jurídica de “lei”: regra que determina quais ações são permitidas ou proibidas em sociedade.

Antes de determinar qualquer regra como justa ou injusta, é preciso determinar quais regras básicas e fundamentais são justas ou injustas. Por exemplo, uma sociedade pode permitir que indivíduos criem suas próprias regras em determinados territórios ou propriedades, ou estabeleçam contratos, mas deve haver leis fundamentais e universais na qual todas as regras locais e particulares sejam baseadas, para que elas não possam ser contraditórias entre si. A ética precisa determinar primeiro quais leis universais são justas, para que outras regras locais possam ser determinadas como justas ou injustas de acordo com a sua adequação a essas leis universais.

Para determinar quais de todas as possíveis leis são justas e quais são injustas, podemos partir do princípio de que toda lei logicamente inconsistente, ou que resulte em contradições ou ambiguidades, deve ser injusta, pois ela falha na função básica da lei, que é determinar quais ações interpessoais são permitidas e quais são proibidas. A lei justa, qualquer que seja, deve ser logicamente consistente em todas as situações que envolvam ações interpessoais.

"Conflito" é definido aqui como uma oposição entre duas possíveis ações, que seriam feitas por agentes com preferências diferentes no momento do conflito, em que uma delas impossibilita a outra, devido a ambas usarem algum meio escasso em comum, para alcançar fins diferentes e incompatíveis entre si. Para que uma lei seja logicamente consistente e se aplique a todas as ações, todas as aplicações dessa lei devem ser livres de conflitos, ou seja, se dois indivíduos agentes quiserem fazer duas ações conflitantes, ou discordarem sobre qual é a ação justa, sendo as ações de ambos incompatíveis entre si, a lei deverá ser capaz de resolver este conflito de maneira clara e inequívoca, sem dar margem a mais ambiguidades. Caso entendida e seguida corretamente, a lei deve resultar na ausência de conflitos. É importante que fique claro que a lei não deve resolver conflitos por esse ser algum papel intrínseco dela, mas porque isso é necessário para que seja consistente.

Duas ações são conflituosas se, e somente se, ambas precisarem usar algum recurso escasso em comum como meio para alcançar seus fins, não podendo o recurso ser usado para ambas, mas apenas para uma delas. Portanto, a base de todo conflito é a intenção, de múltiplos agentes, de usar o mesmo recurso para fins diferentes. A lei universal e justa deve, portanto, para que seja consistente e não permita nenhum conflito, ser capaz de determinar, entre múltiplos agentes conflitantes, um único deles que possa usar cada recurso escasso em cada ação. Portanto, a lei universal e justa deve determinar, objetivamente, o direito exclusivo de uso, para cada recurso escasso, por um único agente legítimo. Esse usuário legítimo de um recurso pode ser chamado de "proprietário", e os recursos que ele tem o direito exclusivo de usar, sua "propriedade".

Por isso, a propriedade é um conceito fundamental na ética. A propriedade pode ser entendida como o direito de uso, controle e disposição de um recurso escasso. Segundo a regra de propriedade privada, todas as ações são permitidas em que um proprietário use a sua propriedade, sem que essa ação viole a propriedade de outros, usando-as contra a vontade dos seus proprietários. Caso a propriedade privada seja adotada como regra, e enquanto for seguida, ela resultará na solução de todos os conflitos, e caso não seja adotada, a solução de todos os conflitos torna-se impossível, já que, se dois usuários pudessem usar legitimamente o mesmo recurso escasso ao mesmo tempo, isso resultaria em um conflito, o que não pode ser permitido pela lei universal interpessoal.

Portanto, a lei de propriedade privada é a lei justa e universal do âmbito ético e jurídico. Toda ação adequada a essa lei é justa, enquanto toda violação dela é injusta. A lei de propriedade privada também é natural, pois baseia-se na realidade natural de que os recursos usados como meios da ação são escassos, sendo a única regra logicamente consistente que, se aplicada, resulta na ausência de conflitos nas ações interpessoais. Dessa forma, a lei universal e natural de propriedade privada não é derivada da vontade de algum indivíduo ou autoridade específica, mas sim da lógica, à qual todas as regras naturais devem se adequar, aplicada ao âmbito ético e jurídico. Ainda que a lei se aplique a ações, e ações sejam um comportamento subjetivo, a lei se baseia na estrutura natural e universal de todas as ações, e não em algo ontologicamente subjetivo.

Podemos chamar essa posição, dentro da ética, de "ética libertária", por não depender do estado ou qualquer autoridade, "ética jusnaturalista", pois é derivada de princípios naturalistas e não depende de qualquer subjetivismo, e também de "ética jusracionalista", por se basear na lógica e razão, e não em ideias subjetivas ou culturais.

  • Apropriação e Armazenamento

Um recurso escasso pode não pertencer a nenhum proprietário, como recursos encontrados em ambientes selvagens, ou abandonados pelos seus proprietários anteriores. O primeiro uso de um recurso escasso sem dono é livre de conflitos, e portanto sempre é permitido. Como todo uso, pela lei, deve ser feito dentro de um direito exclusivo, aquele que faz o primeiro uso de um recurso escasso torna-se o seu proprietário. Portanto, o primeiro uso é a forma legítima de apropriação original de recursos escassos sem dono, tornando-se, a partir daquele momento, propriedade do agente que fez o primeiro uso.

Uma vez que todo uso de propriedade, assim como toda ação, se dá ao longo do tempo, e pode envolver períodos de tempo diferentes para alcançar o fim de cada ação, não pode haver um período de validade determinado para a propriedade privada e, portanto, uma vez apropriada, a propriedade continua a pertencer ao dono por tempo indeterminado, até que seja transferida voluntariamente ou abandonada. O armazenamento da propriedade, sendo um tipo de uso para alcançar o fim de ter o recurso disponível no futuro, é um uso válido, e um recurso armazenado não é a mesma coisa que um recurso abandonado. A propriedade pode, portanto, ser armazenada por tempo indeterminado, e continua, assim, a pertencer ao mesmo proprietário.

  • Jusnaturalismo

Chamamos aqui de "jusnaturalismo" a posição, na ética, que defende que os fundamentos mais básicos da lei são naturais, ou seja, determinados por leis naturais, como a lógica, ou derivados da natureza. O jusnaturalismo se opõe ao juspositivismo, que defende que as leis jurídicas são determinadas e impostas por alguns seres humanos, sobre todos os outros. Ditaduras, por exemplo, são uma forma de juspositivismo, em que uma autoridade determina as leis, e suas aplicações, sobre todos os indivíduos subjugados. No entanto, até as formas de estado consideradas mais livres, como a democracia, também são juspositivistas. Na democracia, a vontade da maioria pode impor regras sobre a minoria, desde que essas regras sejam mais votadas. No jusnaturalismo, nenhum indivíduo pode impor regras sobre a propriedade alheia à força, e todas as regras devem ser derivadas da lei natural. Cada indivíduo apenas pode tomar decisões sobre as regras e o uso de sua propriedade privada, e todas as relações entre indivíduos deve ser voluntária e respeitar acordos voluntários entre proprietários.

O jusnaturalismo, sendo uma forma de naturalismo, se opõe ao juspositivismo como uma forma de subjetivismo, já que este último depende das vontades e decisões arbitrárias de indivíduos ou grupos, enquanto o primeiro se baseia em princípios objetivos e universais, derivados da natureza e da lógica. Enquanto o juspositivismo pode variar amplamente com base nas preferências, culturas e opiniões daqueles que detêm o poder, o jusnaturalismo se mantém firme, guiado por princípios que são verdadeiros e consistentes em qualquer contexto ou cultura. O jusnaturalismo, sendo a aplicação do naturalismo na ética, não depende da vontade ou da ação de sujeitos, apenas da estrutura lógica de qualquer regra que classifique ações interpessoais como permitidas ou proibidas.

Por ser uma aplicação do naturalismo nas ações interpessoais, o jusnaturalismo, ou naturalismo ético, é uma extensão do naturalismo praxeológico, que se aplica à estrutura da ação em si, derivando-a de princípios naturalistas. A lei natural jurídica também pertence a uma categoria diferente das leis naturais econômicas, pois, enquanto as leis naturais econômicas descrevem como os agentes lidam com recursos escassos de acordo com suas preferências para alcançar seus fins, o que forma o valor econômico, as leis naturais jurídicas delineiam quais ações são permitidas ou proibidas na interação entre esses agentes. Ambas a economia e a ética são, portanto, derivadas da praxeologia.

  • Demarcação

Para que a lei natural possa ser seguida, e a propriedade privada, respeitada, deve ser evidente que certas propriedades pertençam a certos proprietários. O proprietário deve, portanto, demarcar sua propriedade, o que pode ser feito com cercas, muros, avisos e documentos. A forma como a propriedade está disposta pode, também, comunicar publicamente se é permitida a entrada. Por exemplo, um mercado aberto, com produtos à venda, comunica socialmente que a entrada é permitida, e um indivíduo não pode ser punido como invasor por entrar nesse ambiente, mas o proprietário pode pedir que ele saia explicitamente. Para uma comunicação mais explícita e inequívoca do que é permitido em cada propriedade, podem ser usados contratos, documentos, e outras formas de comunicação.

  • Abandono

A propriedade pode ser considerada abandonada apenas se não estiver demarcada, e não for evidente que ela pertence a um certo proprietário. Por exemplo, um terreno que não tenha cerca, placas, documentos ou quaisquer testemunhas, comprovando que pertence a certo indivíduo, pode ser considerado abandonado, e pode ser apropriado pelo primeiro uso de um novo proprietário.

  • Transferência e Contrato

Um proprietário pode transferir parte, ou a totalidade, do seu poder de decisão sobre a propriedade para outro. Uma transferência da totalidade do poder de decisão sobre uma propriedade é simplesmente uma transferência da propriedade em si, enquanto a transferência de parte do controle é um acordo voluntário, ou contrato. O contrato é um conjunto de regras, comprometimentos e consequências do cumprimento ou descumprimento dos mesmos, aceitos voluntariamente entre dois ou mais proprietários.

O contrato é um tipo de troca voluntária, em que são trocados comprometimentos entre dois ou mais proprietários. Por exemplo, um proprietário pode se comprometer a fornecer um determinado bem ou serviço a outro proprietário em troca de um pagamento especificado. Caso uma das partes não cumpra o comprometimento, isso é uma violação do contrato, e da lei natural de propriedade privada, da qual todos os contratos são derivados. As consequências dessa violação podem estar explícitas no contrato, mas ainda que não estejam, a violação do contrato é uma violação da lei natural.

Um contrato somente se aplica àqueles indivíduos que concordaram com ele, sendo essa concordância evidente, por exemplo, por meio de uma assinatura, e apenas os comprometimentos explícitos no contrato podem ser exigidos. Contratos verbais, ainda que não estejam registrados em um documento escrito, são também eticamente válidos, desde que haja testemunhas ou evidências suficientes da concordância entre as partes. Um contrato não pode se aplicar a indivíduos que não o aceitarem voluntariamente. Por exemplo, se dez pessoas moram em uma comunidade, e apenas sete delas assinaram um contrato que estabelece regras específicas, por exemplo, sobre que cores são permitidas na pintura de suas respectivas fachadas, as outras três pessoas que não assinaram o contrato não estão vinculadas a essas regras. Isso significa que, mesmo que a maioria da comunidade tenha decidido por uma regra específica, ela não pode ser imposta à propriedade da minoria que não deu seu consentimento, mesmo que essa minoria seja de apenas um indivíduo.

Contratos se aplicam apenas a indivíduos, e não a coletivos ou territórios. Por exemplo, se dez moradores de uma comunidade assinarem um contrato em que todos se comprometem a pintar suas casas apenas de verde, e um desses moradores vende sua casa para um novo proprietário, esse novo proprietário pode pintar a casa de qualquer cor, pois ele, individualmente, não assinou o contrato.

  • Sociedade Ética

O grupo de indivíduos agentes, ao qual a lei de propriedade privada se aplica, pode ser chamado de "sociedade ética". Uma vez que a lei natural de propriedade privada se aplica a todas as ações interpessoais, ela deve se aplicar, igualmente e sem discriminação, a todos os indivíduos capazes de agir. Portanto, todo indivíduo agente tem o direito natural à propriedade privada, e continua tendo esse direito enquanto agir de acordo com a lei natural. Não é necessário que esse direito seja concedido por uma autoridade ou consenso de qualquer tipo, ou sequer reivindicado, todo indivíduo agente tem esse direito automaticamente.

No entanto, para que um indivíduo continue fazendo parte da sociedade ética, ao longo do tempo, é necessário que ele siga e respeite a lei natural, pois se a lei não for seguida e respeitada, ela não pode funcionar e ser implementada, e no seu lugar, haverá a dominação pela força e monopólios. Se a lei natural protegesse aqueles que a violam, ela não seria capaz de organizar as ações sem conflitos e de forma consistente. Se a lei se aplicasse a agressores, ela seria inconsistente e contraditória, pois funcionaria contra si mesma. Portanto, a lei deve se aplicar apenas àqueles que a seguem e respeitam, e não agridem ou ameaçam outros. Portanto, a sociedade ética se compõe de todos os indivíduos capazes de agir praxeologicamente, desde que não tenham violado a lei de forma significativa, e assim perdido uma parte ou a totalidade de sua participação na aplicação da lei.

  • Crime

A violação da lei natural de propriedade privada se dá quando um indivíduo, intencionalmente ou por negligência, invade, usa, danifica ou se apropria indevidamente da propriedade alheia sem a devida autorização do proprietário. Essa violação, caso cause dano significativo à propriedade alheia, pode ser considerada um crime. Todo crime, sendo violação de propriedade, tem, portanto, pelo menos uma vítima, que é aquele indivíduo cuja propriedade foi violada pelo crime.

  • Crime Doloso e Culposo

O crime doloso, ou intencional, ocorre quando se age com intenção deliberada de violar a propriedade de outrem. Ou seja, há a vontade consciente e direcionada de cometer o ato ilícito, ciente das consequências prejudiciais que sua ação pode causar à vítima. Exemplos de crimes dolosos incluem furto, roubo, fraude e vandalismo, onde o agente sabe exatamente que está infringindo os direitos de propriedade de outra pessoa.

Já o crime culposo ocorre quando a violação da propriedade alheia se dá por negligência, imprudência ou imperícia, sem a intenção direta de causar dano ou interferência. No crime culposo, o agente não deseja o resultado, mas age de forma descuidada ou ignorante, deixando de tomar os cuidados necessários que seriam esperados em determinada situação, ou colocando o direito alheio em risco. Exemplos de crimes culposos incluem acidentes de trânsito causados por dirigir de maneira distraída ou excessivamente rápida, onde o motorista não tinha a intenção de causar danos, mas sua falta de cuidado resultou em prejuízo para outra pessoa.

  • Punição

Uma vez que o indivíduo, ao violar a propriedade, comunica que suas ações não estão de acordo com a lei natural e ética, ele pode, dessa forma, ser considerado alguém que está agindo fora da lei. Como a lei deixa de se aplicar àqueles que a violam, o criminoso perde parte ou a totalidade do seu direito à propriedade, e portanto, aqueles que agem dentro da lei podem agir de forma a puni-lo, sem que a punição seja, ela própria, uma violação da lei. Ainda que a punição possa ser usada com objetivos de restituição ou para incentivar o cumprimento da lei, a base jusnaturalista da punição é a perda do direito pelo criminoso, e não um objetivo ou propósito específico que a punição deva alcançar. A punição também é opcional pela ética, e não um dever. A perda do direito de um criminoso é uma implicação da consistência interna da ética, e não um dever ou objetivo que a ética precise alcançar.

  • Proporcionalidade

Se, por um lado, a violação generalizada, sistemática e significativa da lei natural impediria completamente que ela funcionasse, por outro lado, violações mínimas da lei não seriam impeditivas. Por exemplo, um criminoso psicopata que mata suas vítimas e rouba suas propriedades é completamente incompatível com uma sociedade ética, e deve perder completamente seu direito, enquanto alguém que esbarra sem querer em outra pessoa, e derruba seu copo de suco no chão, não contraria a ética da mesma forma, mesmo tendo danificado a propriedade alheia. Portanto, a perda do direito e participação na sociedade ética deve ser proporcional ao dano causado, e ao grau de ameaça que aquele indivíduo representa ao cumprimento da lei natural. Existe, portanto, o princípio de proporcionalidade nas violações da lei e em suas consequências.

  • Áreas Cinzentas na Ética

Apesar de existir teoricamente uma proporcionalidade permitida na punição, pois nem todo crime necessariamente causa total perda do direito do criminoso, essa proporcionalidade pode ser difícil, ou até inviável, de ser determinada objetivamente. Em alguns casos, também pode ser difícil determinar se um crime foi cometido ou não, por exemplo, em caso de acidentes culposos. Por exemplo, digamos que alguém derruba um copo de suco no chão, e outra pessoa escorrega nesse suco e quebra o pescoço. A partir de que momento ou conjunto de circunstâncias acidentes tornam-se crimes culposos? Em que proporção? Alguns casos específicos, e a proporcionalidade em que um crime possa ser punido são muito difíceis de serem determinados com precisão, e podem ser considerados áreas cinzentas da ética.

Essas dificuldades causadas por áreas cinzentas e dificuldades em determinar limites e punições com precisão podem, no entanto, ser resolvidas por contratos sociais voluntários. Por exemplo, um contrato básico, aceito por uma sociedade ou grupo de pessoas, em que aqueles que assinam se comprometem a fazer trocas voluntárias apenas entre si, boicotando os demais, pode determinar a proporcionalidade de punições administradas pelos participantes. Se um indivíduo ou instituição participante dessa sociedade cometer ou punir um crime, a punição pode se adequar ao que foi determinado no contrato. No entanto, esse tipo de contrato não pode limitar as punições aplicadas, ou aumentar as recebidas, para aqueles que não o assinaram. Em caso de punições não determinadas por contrato aceito previamente pelo criminoso, a proporcionalidade deve ser debatida da forma mais racional possível, mas não há garantia de que poderá ser determinada objetivamente.

  • Julgamento

A punição, assim como a lei natural, e sendo dela derivada, não depende de autoridades, e uma vez que o criminoso tenha perdido seu direito, e o crime tenha sido reconhecido como evidente, qualquer indivíduo da sociedade ética pode puni-lo. No entanto, indivíduos podem estabelecer contratos voluntários entre si, se comprometendo a seguir algum tipo de processo legal que seja reconhecido como mais civilizado ou moral. Por exemplo, pode ser determinado por contratos e leis artificiais que criminosos passem por julgamentos com certa organização e critério, e que as punições incluam restituições e indenizações às vítimas, conforme o possível. Aqueles que participarem desse tipo de contrato deverão respeitar certas regras de como lidar com crimes e criminosos, mas a lei natural apenas lida com a perda dos direitos do criminoso e a necessidade do crime ser objetivamente evidente, e não sobre o que deve ser feito a partir disso.

Em uma sociedade ética, não pode haver qualquer tipo de monopólio imposto por autoridade ou pela força, inclusive um monopólio da justiça, das leis, do julgamento ou das punições. Qualquer instituição ou tribunal que alegue ser o detentor exclusivo do poder de julgamento ou da aplicação da lei está, em essência, agindo de forma antiética e contraditória à própria lei e à sociedade ética. Indivíduos e organizações que ofereçam serviços de investigação, julgamento, punição, restituição e semelhantes, deve fazê-lo em um ambiente de livre concorrência, de forma voluntária, e dentro dos limites da lei natural, jamais a violando. Esse aspecto voluntário dos serviços de justiça não é, no entanto, voluntário para criminosos cujos crimes sejam objetivamente evidentes. Uma vez que criminosos estão suscetíveis a punição, ela pode ser aplicada contra a sua vontade.

  • Princípio de Não-Agressão (PNA)

O Princípio de Não-Agressão (PNA) afirma que é eticamente errado iniciar a força ou a coerção contra um indivíduo ou sua propriedade. Em termos simples, é a ideia de que cada pessoa tem o direito de viver sua vida como quiser, desde que não infrinja os direitos dos outros ao fazer isso.

É importante notar que, para que esse princípio represente corretamente a ética jusnaturalista, a iniciação de agressão, força ou violência deve ser entendida estritamente como a violação de propriedade, inclusive de formas que pareçam não-violentas. Por exemplo, o furto pode parecer uma forma não-violenta de violação de propriedade, mas deve ser entendido como agressão perante o PNA. A legítima defesa contra um furto, por exemplo, com o objetivo de recuperar o objeto furtado, ainda que seja violenta, não é uma agressão à propriedade. A punição justa contra crimes também não pode ser entendida como agressão dentro do PNA. Apenas a violação de propriedade deve contar como "agressão", para que o PNA seja eticamente correto.

O PNA é o princípio de não-agressão à propriedade de indivíduos inocentes, ou "pacíficos", no sentido de não serem criminosos, derivado da propriedade privada, que é uma lei natural. O PNA não é um "pacto" de não-agressão, mas um princípio natural e naturalista da lei. Ele, assim como a lei de propriedade, se aplica a todos os indivíduos agentes, mesmo que não concordem com isso, ou sequer entendam o princípio. Todos os acordos, pactos e contratos voluntários, por sua vez, são derivados da ética jusnaturalista e do PNA, e portanto, a ética e o PNA não podem ser, eles mesmos, acordos, mas sim uma lei universal subjacente a todos os acordos, e com base na qual acordos possam ser válidos.

  • Legítima defesa

A legítima defesa é o direito natural de um indivíduo de proteger sua propriedade, que inclui seu corpo e seus bens, contra uma agressão ou ameaça iminente. O direito à legítima defesa é natural e diretamente derivado do direito à propriedade, sendo nada mais que o uso da propriedade em sua própria defesa. O indivíduo que agride ou ameaça a propriedade alheia de forma significativa, por exemplo, ameaçando a vida da vítima, está sujeito à legítima defesa, mesmo que lhe cause danos ou a morte. No entanto, agressões menores, como pequenos furtos, podem permitir um uso limitado de força na legítima defesa. Por exemplo, um assalto à mão armada ameaça a vida da vítima, e portanto é proporcional a defesa armada que cause a morte do assaltante, enquanto para um pequeno furto, isso poderia ser considerado desproporcional e uma agressão. O critério para determinar a proporcionalidade na legítima defesa é o dano potencial ou real causado pela agressão.

  • Restituição e Vingança

A lei natural permite a punição de agressores, mas devido à perda do direito desses agressores, e não devido a um dever ou um objetivo que deva ser alcançado. O porquê de se aplicar punições é subjetivo e cabe a quem punir justamente, seja quem for, decidir suas motivações. Além disso, a sociedade e o mercado de justiça evoluem para estabelecer os contratos e regras artificiais mais eficientes e demandados pelos indivíduos. Dessa forma, a punição pode ser usada para objetivos diversos: impedir novos crimes, desencorajar novos criminosos, vingança, restituição ou qualquer outro objetivo moralmente aceito ou demandado. No entanto, é importante deixar claro que esses objetivos, e a própria punição como um todo, não são intrínsecos à lei natural, mas aos objetivos dos indivíduos que apliquem as punições. Mesmo que haja bases morais para esses objetivos, a ética jusnaturalista, em si, não determina o dever, mas apenas a permissão, de se punir. A lei natural apenas estabelece que de acordo com a sua violação, os direitos dos violadores são perdidos.

  • Liberdade de Expressão e Censura

Dentro da ética jusnaturalista, apenas violações de propriedade podem ser consideradas crimes. Além de violações físicas de propriedade, crimes também podem ser cometidos indiretamente por meio de fraude, ameaça, ou de se mandar outros indivíduos cometerem crimes. Ações que ofendam indivíduos ou grupos sem invadir ou danificar sua propriedade não são crimes. Por exemplo, se o indivíduo A escrever um texto xingando o indivíduo B, e o publicar na internet, isso não é um crime, pois apenas a propriedade privada do indivíduo A foi usada nesse processo. No entanto, se o indivíduo A ler esse texto em voz alta, usando um microfone e um amplificador, na frente da propriedade de B, de forma a causar um ruído que invada o ambiente de B, isso é uma violação de propriedade. A liberdade de expressão se aplica, na ética, apenas em relação à propriedade privada daquele que se expressa. Um indivíduo não tem a liberdade ética de usar a propriedade alheia para se expressar.

A liberdade de expressão é, portanto, na ética, a liberdade de cada indivíduo usar a sua propriedade para se expressar ou estipular regras privadas para a expressão de outros, sem que essa expressão viole a propriedade alheia.

Se considerarmos que "censura" é o ato de impedir que outro indivíduo se expresse, a censura somente é permitida pela ética quando um proprietário impede, em sua própria propriedade, a expressão de outros, desde que, com isso, não esteja violando um contrato ou uma regra privada que ele mesmo tenha estabelecido previamente.

A censura sobre a propriedade e contratos alheios, como aquela em que estados controlam o que indivíduos e empresas podem ou não expressar, sempre é criminosa e antiética. Nenhum indivíduo, empresa ou estado pode controlar a expressão dentro da propriedade alheia, por qualquer motivo.

As únicas formas de expressão que podem ser consideradas crime são a fraude, a ameaça, ou a expressão que comande outros a cometer crimes, esses tipos de expressão são proibidos pela ética libertária.

  • Fraude

A fraude é uma forma enganosa de violação da propriedade privada que ocorre quando um indivíduo ou empresa engana outra parte sobre o que será oferecido ou recebido em uma troca voluntária. A fraude é muitas vezes realizada através de falsas representações, omissões deliberadas ou promessas não cumpridas, visando obter uma vantagem injusta sobre a outra parte, ou causar danos à mesma. Quando uma parte engana a outra em uma transação ou troca voluntária, a parte lesada não está realmente consentindo com a troca sob as circunstâncias apresentadas, tornando o acordo inválido e não consensual e, portanto, a fraude é uma agressão à propriedade e um crime.

Nem sempre a fraude é cometida por uma parte diretamente envolvida em uma troca. Por exemplo, se o indivíduo B tem um negócio, como uma padaria, e o indivíduo A espalhar notícias falsas sobre essa padaria, de que ela vende pães estragados, isso constitui crime de propaganda enganosa, que é um tipo de fraude. A mentira usada para enganar pessoas com relação a trocas voluntárias, ao causar um dano significativo aos enganados, é crime. É importante notar que a vítima desse crime não é o indivíduo B ou a padaria, mas sim os seus potenciais consumidores, que seriam enganados pelas notícias falsas.

  • Mentira

Nem toda mentira é antiética, mesmo quando é imoral. Por exemplo, se uma criança mente para os pais sobre ter comido os doces antes do jantar, isso pode ser considerado imoral, pois vai contra os valores de honestidade e confiança, mas não é antiético do ponto de vista jusnaturalista, já que não há uma violação direta de propriedade ou dano tangível causado a outra pessoa. Da mesma forma, se um amigo mente sobre gostar ou não de um presente recebido, pode ser considerado uma atitude desonesta, mas novamente, do ponto de vista da ética baseada em direitos de propriedade, não é uma transgressão. O ponto crucial é a distinção entre mentiras que causam danos tangíveis à propriedade privada, e aquelas que não causam. Mentiras que induzem a erros em transações, prejudicam a reputação de terceiros ou levam a perdas financeiras são antiéticas e podem ser consideradas criminosas.

  • Falsa Imputação de Crime

A falsa imputação de crime ocorre quando uma pessoa acusa outra falsamente de cometer um ato criminoso, sabendo que tal acusação é falsa, ou de forma irresponsável, na ausência ou distorção das evidências. A falsa imputação pode fazer com que um inocente pareça culpado perante a sociedade legal, tornando esse inocente, a vítima, sujeito a punições indevidas, que são, portanto, agressões criminosas. Aquele que manipula as informações e evidências para tornar um inocente suscetível à punição está, portanto, cometendo um crime e pode ser punido de acordo.

  • Crime por Ameaça

A ameaça é crime, pois o agressor comunica sua intenção de danificar a propriedade alheia, geralmente com o incentivo de coagir a vítima a agir de acordo com a sua vontade. Por isso a ameaça é, por si só, uma agressão, já que ela coloca em risco a liberdade e a propriedade da vítima. Da mesma forma, a tentativa de cometer um crime é, por si só, um crime, e um criminoso que não tenha conseguido realizar seu plano de cometer um crime também pode ser punido, pois já colocou em risco a propriedade alheia. Atos que coloquem em risco a propriedade alheia por descuido também podem ser considerados crimes. Por exemplo, se alguém arremessar um tijolo do décimo andar de um prédio, existe uma probabilidade considerável de que esse ato cause a morte de uma pessoa, se o tijolo cair em sua cabeça, e portanto esse ato é um crime.

  • Crimes sem Vítima não Existem

Não existem crimes sem vítima, já que todo crime é uma agressão à propriedade privada, que é individual e específica. Tampouco a vítima de um crime pode ser um coletivo, ou "a sociedade", já que apenas indivíduos agem e têm direito à propriedade privada, e não coletivos ou sociedades. Caso um suposto crime não tenha especificamente violado a propriedade de indivíduos específicos, ele simplesmente não é um crime.

Um indivíduo também não pode cometer um crime contra si próprio, pois a propriedade privada é o pleno direito de uso de um indivíduo sobre seus recursos, limitando apenas o uso de propriedades de outros. A lei natural libertária é interpessoal, e a violação de propriedade privada apenas é possível entre dois indivíduos, e não um único. Portanto, atos como uso de drogas, tentativa de suicídio, práticas religiosas ou ideológicas feitas de forma privada, não são crimes perante a lei natural. A tentativa de controlar o que outros fazem com sua propriedade contra sua vontade sim, é crime.

A expressão livre de um indivíduo em suas próprias plataformas e espaços físicos ou digitais, que sejam frequentados apenas voluntariamente e de acordo com regras privadas, a menos que se cometa fraude, ameaça ou comande outros crimes diretamente, também não pode ser crime. A liberdade de expressão não tem limites subjetivos dentro da propriedade privada, sendo limitada apenas se violar a propriedade alheia.

O contrabando e comércio de produtos proibidos pelo estado, como drogas ou armas, da mesma forma, não é crime perante a lei natural, pois o ato de trocar ou vender esses produtos não viola, por si só, a propriedade privada de outro indivíduo. Se dois indivíduos consentem voluntariamente em uma troca, sem coação ou engano, então, de acordo com a lei natural, não houve crime. A posse de recursos que possam ser potencialmente danosos, como drogas e armas, não é crime, mas apenas o uso desses recursos para agredir outros. Qualquer tentativa de se restringir ou proibir o comércio de determinados recursos, a menos que entre pessoas que aceitaram essas regras voluntariamente, é um crime. Indivíduos podem, conforme a lei natural, comercializar quaisquer tipos de recursos voluntariamente entre si.

A exclusão de pessoas por um proprietário de um espaço privado, seja ele um estabelecimento comercial, uma residência ou qualquer outra propriedade, também não é crime perante a lei natural. O proprietário, ao possuir direitos plenos sobre sua propriedade, tem a liberdade de decidir quem pode ou não entrar e permanecer em seu espaço, ou fazer trocas dentro dele, segundo qualquer critério de sua escolha, que não viole regras e contratos prévios que ele próprio tenha aceito voluntariamente. Assim como alguém tem o direito de decidir quem pode entrar em sua casa, o proprietário de um estabelecimento comercial tem o direito de decidir quem pode entrar em seu negócio, por quaisquer critérios. Isso não é uma violação dos direitos de propriedade de outra pessoa, pois ninguém tem um direito inerente de acesso à propriedade privada de outra pessoa sem seu consentimento. Entretanto, embora a exclusão com base na propriedade privada seja permitida, discriminações baseadas em raça, gênero ou características intrínsecas, podem ser consideradas moralmente reprováveis e podem ter repercussões sociais negativas para o proprietário, e podem ser restritas por contratos privados que excluam aqueles que fizerem tais discriminações.

Qualquer tipo de exclusão também só pode ser feita dentro da propriedade de cada indivíduo. Se de vinte moradores de um bairro, dezenove decidirem que aquela comunidade será, por exemplo, exclusiva para cristãos, eles não podem expulsar à força a outra pessoa, que tem a sua propriedade naquele bairro.

  • Cópia, Imitação, Plágio e Falsificação

A cópia é uma ação sem vítimas, no entanto, o plágio constitui fraude. Isto porque, enquanto copiar algo não necessariamente diminui ou danifica a propriedade original, o plágio é uma tentativa de reivindicar falsamente a autoria ou a originalidade de uma ideia ou obra. A cópia, em si, não é um tipo de apropriação ou roubo, pois ela apenas reproduz uma forma, composição ou fórmula de recursos escassos, sem necessariamente alterar os recursos escassos copiados. Por exemplo, ao se copiar uma música, um livro ou um arquivo digital, os discos, livros e arquivos originais permanecem intactos. A forma, fórmula ou conteúdo intelectual não é escasso, pois podem ser usados indefinidamente em novas instâncias, sem degradar ou reduzir a quantidade ou qualidade do original. É o material que compõe um livro, disco ou memória física de um computador que é escasso, e não a informação em si. Por isso, a lei natural de propriedade privada não permite a existência de "propriedade intelectual", ou seja, propriedade sobre ideias, fórmulas, ou informações, mas apenas sobre o material em que elas estejam contidas. Ainda assim, regras privadas artificiais e contratos podem restringir a cópia de conteúdo entre os indivíduos que concordam voluntariamente com essas regras. No entanto, contratos não podem se estender a alguém que não tenha concordado explicitamente no momento de uma troca voluntária. Por exemplo, um vendedor de um software pode exigir certas regras como condição de compra do software diretamente dele, mas se esse mesmo software for obtido por outros meios, essas regras não podem ser impostas pelo mero fato do software ser utilizado.

Diferente da cópia, o plágio é um tipo de fraude, já que um conteúdo é oferecido de uma forma enganosa, sugerindo uma informação falsa sobre o real autor de uma obra. É importante deixar claro que a vítima do plágio, no entanto, não é o real autor, mas sim os compradores do produto, pois está sendo oferecido em uma troca voluntária como sendo algo diferente do que realmente é. Por exemplo, se João vende uma cópia de um livro alegando que ele é o autor, mas na realidade o livro foi escrito por Maria, ele está enganando seus clientes sobre a origem daquela obra. Mesmo que Maria não tenha perdido fisicamente nenhum exemplar de seu livro e que a informação em si não possa ser apropriada, os clientes de João foram defraudados ao comprar algo sob uma premissa falsa.

Da mesma forma, a falsificação de produtos ou serviços é uma forma de fraude. Quando um indivíduo ou empresa produz ou vende um produto alegando ser de uma determinada marca, qualidade, origem ou autor, quando na verdade não é, ele está cometendo um ato enganoso. O plágio e a falsificação são, portanto, crimes perante a ética jusnaturalista, ao contrário da cópia e imitação.

A imitação, de forma semelhante à cópia, não viola os princípios da propriedade privada na lei natural, pois consiste em replicar ou modelar algo sem afirmar falsamente a autoria ou origem. A imitação é, muitas vezes, a maneira que empreendedores têm de aprender, se inspirar e evoluir, assim como a evolução em geral se baseia na reprodução e mutação gradual da informação existente. Se alguém observa um modelo de negócio, produto ou serviço de sucesso e decide criar algo semelhante, adaptando-o às suas próprias circunstâncias e realidades, sem declarar falsamente que foi o pioneiro ou originador daquele conceito, ele está apenas utilizando a imitação como uma ferramenta de progresso e inovação, sem subtrair nenhum recurso escasso daquilo que foi imitado.

O uso de informações para o aprendizado e treinamento de redes neurais artificiais e digitais também segue a mesma lógica de cópia e imitação. O processo envolve a alimentação de grandes volumes de dados para treinar a máquina a reconhecer padrões, fazer previsões ou executar tarefas específicas. No entanto, a informação em si, assim como mencionado anteriormente, não é escassa. A máquina não "rouba" a informação, mas sim a replica, processa e utiliza para melhorar sua performance. Neste cenário, a informação original permanece inalterada e intocada em sua fonte original. Um indivíduo tem o direito de alimentar redes neurais com quaisquer informações, sem restrição. Mesmo aqueles que criaram a informação não têm o direito de impedir que ela seja usada, seja por cópia, imitação, ou treinamento de inteligências artificiais.

  • Leis e Direitos Secundários e Artificiais

A propriedade privada é um direito primário, o que significa que ele é natural e se aplica a todos os indivíduos capazes de agir praxeologicamente, ou seja, que agem propositalmente, com base no entendimento semântico de meios e fins. No entanto, isso não significa que a propriedade seja a única lei justa que pode existir, apenas que ela deve ser a base de todas as leis e direitos justos, que nunca podem violá-la. A lei de propriedade privada também é a única lei natural e universal, no âmbito jurídico. Quaisquer outras leis que sejam implementadas na sociedade devem sê-lo artificialmente.

Leis e direitos secundários podem ser criados e implementados entre dois ou mais indivíduos, mas apenas voluntariamente, e nunca de forma imposta. A única lei que não precisa ser aceita voluntariamente é a lei natural, que se aplica a todos os indivíduos em todas as trocas interpessoais. Leis e direitos secundários e artificiais devem surgir a partir de acordos mútuos, ou seja, contratos, que estipulem comprometimentos e consequências pelo cumprimento ou descumprimento dos mesmos. Por exemplo, se um grupo de proprietários em uma comunidade decide formar uma associação de moradores, eles podem estabelecer regras adicionais sobre a utilização das áreas comuns, horários de silêncio, ou regulamentos de estacionamento. Estas regras, então, são direitos e leis secundárias que se aplicam apenas aos membros que voluntariamente aceitaram e aderiram à associação.

Mas qual o valor de leis artificiais, se elas se aplicam somente aos que as aceitaram voluntariamente? A resposta é que leis artificiais podem incluir uma exclusão daqueles que se recusaram a assinar, e assim pressionar indivíduos para que se adequem a certas regras consideradas morais, se quiserem participar da sociedade. Por exemplo, digamos que seja criada uma lei artificial que estipula uma punição para pessoas que maltratarem seus animais de estimação. Animais não têm direitos naturais, por não agirem praxeologicamente e, se tivessem, não poderiam ser mantidos em casa, assim como humanos não podem ser mantidos em cativeiro. Leis que proíbem maus tratos a animais devem, portanto, ser artificiais. Aqueles que aderissem a essa lei demonstrariam seus valores morais básicos e, portanto, digamos que a maioria das pessoas não tivesse problema em assinar. Alguém que se recusasse a assinar estaria demonstrando um aparente descaso por valores tão básicos, e já seria visto de forma negativa devido a essa atitude. Além disso, por ser um valor muito básico, o contrato poderia estipular que aqueles que assinaram não podem fazer trocas voluntárias, como compra e venda, com aqueles que não assinaram. Dessa forma, em uma sociedade em que quase todos assinaram, alguém que não assinou não conseguiria mais alugar ou comprar propriedades, ou comprar comida, água e recursos básicos. Essa pessoa seria pressionada a assinar ou se mudar do local, sendo fisicamente removida, sem a necessidade de agressão a sua propriedade, mas apenas por meio de boicote estipulado no contrato. A quebra desse boicote também poderia estar sujeita a punição, de forma explícita no contrato.

Dessa forma, a estruturação de leis artificiais, ainda que voluntárias, pode garantir o cumprimento de valores morais em uma sociedade, unir as pessoas com valores parecidos, e excluir aqueles que os rejeitem. Apesar de não serem impostos de forma agressiva contra a propriedade privada, esses contratos têm a capacidade de remover fisicamente indivíduos de uma sociedade, por meio da exclusão e bloqueio das trocas voluntárias com essas pessoas.

Além disso, leis artificiais também podem resolver discordâncias em áreas cinzentas da ética. Por exemplo, pode estar claro em uma sociedade que um som ensurdecedor seja uma agressão à propriedade alheia, mas pode haver discordância em qual volume exato possa ser o limite. Se um contrato voluntário estipular o volume aceito, ele resolve essa discordância, sem necessidade de um debate mais complexo. Da mesma forma, as punições cabíveis para cada tipo de crime podem ser determinadas por esse tipo de contrato.