Descentralismo: Fundamentos e Aplicações

Descentralismo: Fundamentos e Aplicações

Introdução

Neste artigo, apresentamos os fundamentos teóricos do descentralismo, explorando suas bases filosóficas e sua relação com a evolução dos sistemas naturais, sociais, econômicos e tecnológicos. Será demonstrado como a descentralização é um princípio filosófico abrangente, com alto poder explicativo e aplicabilidade em diversas áreas da filosofia, sendo um arcabouço que contém vários outros princípios como seus desdobramentos lógicos e naturais.

Descentralismo

O descentralismo afirma que toda a realidade, em seus diferentes âmbitos, pode ser explicada com base no princípio da descentralização, resultando em uma multiplicidade de aplicações desse princípio. Pela perspectiva do descentralismo, a descentralização é a base para a estrutura básica da realidade, em todos os seus âmbitos: da metafísica, das formas e objetos abstratos, da cosmologia e física, da evolução e história, da formação de indivíduos, culturas, sociedades, tecnologia e até da evolução do capitalismo. Por isso, começamos pela definição de “descentralização” usada aqui, para então mostrar suas implicações e aplicações.

Descentralização

A definição de "descentralização" que usamos aqui é mais abrangente e abstrata que a definição comum. No sentido comum, “descentralização” refere-se à distribuição de poder, controle ou autoridade entre múltiplas partes de um sistema, em vez da sua concentração em um controlador central. Aplicada a governos, significa a transferência de competências do poder central para entidades locais ou autônomas; na tecnologia, refere-se à distribuição de processos e dados entre nós independentes; na economia, implica a substituição de intermediários por interações diretas entre agentes. Dessa forma, a descentralização é entendida como a distribuição do controle.

Na definição filosófica de “descentralização” usada aqui, a distribuição do controle é um aspecto essencial, e uma tendência natural, da descentralização, mas não a definição mais básica da palavra. Em todo sistema descentralizado, há distribuição do controle, mas nem todo controle distribuído é descentralizado, como veremos mais adiante. Tornamos essa descrição mais abstrata, baseando-a não apenas no controle autônomo e distribuído, mas em toda determinação de sistemas com base em regras não-arbitrárias (naturais). Dessa forma, o princípio da descentralização pode ser aplicado, também, a outros âmbitos, como o epistemológico, ontológico, físico, evolutivo e, de fato, à estrutura de qualquer tipo de sistema. Ou seja, a descentralização, como entendida aqui, é um princípio básico de toda a realidade. Não é apenas um tipo de controle em sociedades e máquinas, mas abrange toda a natureza.

Controle e Determinação

O controle, de maneira geral, pode ser entendido como a forma pela qual sistemas, organismos e máquinas exercem influência e determinação sobre si mesmos, sobre suas partes e sobre o ambiente. Quando um sistema é centralizado, essa relação de determinação é assimétrica, com um núcleo decisório concentrando o poder de influenciar os demais componentes por critérios arbitrários e unilaterais. Já em sistemas descentralizados, a determinação ocorre de maneira distribuída, com múltiplas partes exercendo influência mútua, e sendo regulados pelos mesmos critérios de retroalimentação positiva e negativa. Por exemplo, em uma rede neural, tanto biológica quanto artificial, a descentralização ocorre porque os nós ou neurônios interagem diretamente entre si, transmitindo sinais de forma distribuída, sem depender de um único centro controlador. A inteligência e aprendizado emergem desse processo descentralizado de adaptação, onde padrões complexos são reconhecidos e ajustados por meio de feedbacks. No caso do ser humano, conexões neurais que produzem certos resultados, como obter comida e prazer, são reforçados, enquanto conexões que produzem resultados como a dor, sofrimento, falta de recursos ou rejeição social tendem a ser inibidos. As adaptações instintivas, e os próprios critérios de reforço ou inibição do aprendizado, por sua vez, são ajustados pela seleção natural. Os ajustes que reforçam certa informação são os feedbacks positivos, enquanto os que inibem são negativos.

O controle, dessa forma, é descentralizado à medida que suas partes são todas determinadas por um mesmo critério, mas não qualquer tipo de critério. Por exemplo, em um sistema estatista, em que o estado é um controlador centralizado, pode-se dizer que todos estão seguindo as mesmas leis positivistas descritas pelo código penal daquele governo, mas o sistema, ainda assim, é centralizado. O que torna esse sistema centralizado é a arbitrariedade e inconsistência das regras, em que cada parte do sistema (no caso da sociedade, os indivíduos) é controlado por um critério diferente, em que o estado e os indivíduos que fazem parte dele têm um monopólio sobre certos direitos, como o de impor regras à força e receber dinheiro obtido pelo imposto. Para que um sistema seja descentralizado, suas partes, ou nós, precisam ser controladas, ou controlar a si mesmas, todas com base nas mesmas regras ou critérios, de forma consistente.

No caso das redes neurais, esse critério são os tipos de feedback que reforçam ou inibem as conexões neurais. O critério mais fundamental de retroalimentação de redes neurais é a permanência e reprodução dessas mesmas redes neurais: em última instância, a seleção natural, que regula quais feedbacks terão efeito de reforço ou inibição dos parâmetros. No caso de redes neurais artificiais, as redes neurais mais úteis e lucrativas tendem a ter seu código e arquitetura reproduzidos, e as menos úteis tendem a ser abandonadas, o que também é um exemplo de seleção natural e artificial (ambas não são mutuamente excludentes). No caso de organismos competindo pela seleção natural, a capacidade de adaptação para a sobrevivência e reprodução, dentro das mesmas leis da física, é um critério que todos os organismos seguem e, desta forma, a seleção natural é um critério natural, e o processo de evolução, em geral, é descentralizado.

Critério de Adequação a Leis Naturais

Desta forma, a descentralização, essencialmente, se constitui da determinação das partes de um sistema por uma mesma regra consistente, enquanto, na centralização, uma parte é determinada de forma diferente das outras. Em uma sociedade estatista, o estado é um controlador centralizado, pois ele pode usar armamentos bélicos e impor regras pelo uso da força, enquanto os cidadãos não podem fazer o mesmo.

Para que uma regra seja consistente, ela deve ser capaz de determinar todas as partes do sistema sob os mesmos critérios, sem exceções ou hierarquias arbitrárias. Por exemplo, as leis da física são regras consistentes, pois elas determinam o comportamento de todo o espaço-tempo sem qualquer arbitrariedade. Da mesma forma, a lógica, a matemática e a seleção natural são exemplos de regras ou conjuntos de regras consistentes. Essas regras também são naturais, pois elas emergem naturalmente, seja como estrutura necessária da realidade, como a lógica e matemática, ou como tendência natural ao longo do tempo, como a seleção natural.

Regras naturais são as regras consistentes que não são determinadas arbitrariamente, mas fundamentam ou emergem de forma natural, necessária e universal em um certo âmbito, como os âmbitos físico, biológico, social, etc. Da mesma forma que leis naturais são consistentes, regras que violem as leis naturais são inconsistentes, pois são arbitrárias. As regras consistentes, portanto, são apenas as regras e leis naturais, ou aquelas que se baseiam nas leis naturais e não as violam. O que nos leva à seguinte conclusão: apenas as regras adequadas às leis naturais são consistentes. Portanto, a adequação a leis naturais é o critério essencial da descentralização.

Definição Filosófica de “Descentralização”

Portanto, esta é a definição filosófica mais abstrata e consistente de “descentralização”, usada aqui: a adequação de sistemas a leis naturais. É importante notar que isso não apenas se aplica a qualquer sistema concreto, mas também a sistemas que podem ser considerados abstratos, como a lógica, a matemática, a epistemologia, a metafísica e a física. Esses sistemas podem ser entendidos como descentralizados, dado que sua estrutura se baseia em regras ou leis naturais.

Ordem Informacional

A palavra "ordem" é frequentemente usada para se referir a duas coisas diferentes, que são a baixa entropia e a ordem evolutiva, sendo importante desambiguar e esclarecer o significado usado aqui.

Na física, o grau de entropia em um sistema é uma medida de "desordem", no sentido de dispersão da energia, com relação à qual a ordem seria a concentração de energia, por exemplo, na singularidade do big bang, em que a entropia é mínima. A entropia também pode ser interpretada como informacional, em que, quanto maior é a entropia, maior é a quantidade de informação necessária na descrição de estados em um sistema. No âmbito da entropia, a ordem diminui do passado para o futuro, conforme a energia se dispersa e se torna indisponível para o trabalho, e a quantidade de informação necessária na descrição do sistema aumenta.

A ordem evolutiva, por outro lado, refere-se não apenas à complexidade de organismos, mas principalmente à eficiência desses sistemas em propagar sua informação genética ou memética, analógica ou digital, por meio da sobrevivência, reprodução ou comunicação. Por se basear na transmissibilidade da informação, a ordem evolutiva também pode ser chamada de “ordem informacional”. A ordem evolutiva, ao contrário da ordem na entropia, aumenta do passado para o futuro, e é acumulada pelo processo de seleção natural. As duas formas de "ordem", no entanto, não se contradizem, pois são, de fato, duas coisas diferentes, chamadas pela mesma palavra.

A seleção natural se baseia na propagação de informação. Os feedbacks positivos e negativos, pelos quais os sistemas se adaptam, são mecanismos de transmissão e processamento de informação, desde o mecanismo básico de seleção de informações físicas e genéticas, até formas mais evoluídas e complexas de adaptação e processamento de informação. O sucesso em sobreviver e reproduzir-se é o sucesso em transmitir a própria informação para o futuro e novos descendentes. Até mesmo a simples sobrevivência de um organismo simples é um tipo de transmissão de informação, no qual a informação é transmitida de um momento no tempo para o próximo. Essa informação é então processada, refinada e aperfeiçoada pela competição, pela seleção natural, entre diferentes capacidades de transmissão entre diferentes informações. Portanto, todo sistema ordenado, no sentido evolutivo, é um sistema de transmissão de informação, que faz parte de um sistema mais amplo de processamento de informação. Por isso, também é correto chamar a ordem evolutiva, como um todo, de "ordem informacional".

Portanto, toda ordem relativa à eficiência de sistemas em propagar sua informação genética, memética, cultural, social, tecnológica, digital, ou qualquer outro sistema derivado de organismos e memes, é originada da seleção natural. Portanto, quando nos referimos a todos esses tipos de ordem, estamos nos referindo à ordem evolutiva, e não à ordem termodinâmica relativa à entropia.

Esses processos evolutivos que formam a ordem são derivados das leis básicas da física, que permitem a continuidade da informação ao longo do espaço-tempo, e portanto toda regra natural que se estabelece em um sistema ordenado ao longo do tempo depende das leis naturais da física. Considerando-se que essas leis são redutíveis à matemática e lógica, e que a própria matemática pode ser reduzida a um conjunto de proposições, que seguem as leis da lógica, podemos concluir que a lógica é a regra natural mais básica, sendo todas as outras regras derivadas, em última instância, da lógica. Toda a realidade física pode ser entendida como uma rede informacional de relações lógicas e matemáticas. Na cosmologia informacional, a física emerge de regras abstratas.

A lógica não é apenas a regra básica da estrutura de proposições, mas também dos fatos denotados por elas. Se proposições verdadeiras denotam fatos reais, e proposições verdadeiras devem ser logicamente consistentes entre si, então fatos reais também devem ser logicamente consistentes entre si, sendo a realidade adequada à regra natural da lógica.

Ordem Emergente

A ordem emergente é a estrutura organizada que surge espontaneamente a partir da interação descentralizada entre os elementos de um sistema, sem necessidade de um controle central. Essa ordem, que surge de baixo para cima, das interações entre as partes do sistema para o todo, emerge da transmissibilidade das informações. As informações mais transmissíveis (estáveis, resilientes e reprodutíveis) atingem uma quantidade cada vez maior, enquanto as menos trabsmissíveis tornam-se menos presentes, ou são extintas. Esse nada mais é do que o processo de seleção natural, que aqui não é entendido como meramente biológico, mas um processo de formação de ordem informacional, que acontece ao longo da linha do tempo, com informações físicas, genéticas, meméticas, econômicas, sociais, culturais e tecnológicas. Toda ordem que surge em um universo fisicamente descentralizado, baseado em leis naturais, é emergente e derivada da seleção natural, que se baseia na descentralização.

A organização descentralizada acontece sem um controlador central, e a ordem emerge a partir das interações entre seus componentes individuais. Isso implica que nenhuma parte individual do sistema possui controle total sobre o sistema inteiro; em vez disso, cada componente tem sua própria esfera de influência, e a interação dessas esferas individuais de influência é o que compõe a ordem geral. No entanto, em um sistema de ordem emergente, o critério de geração, transmissão, seleção e processamento de informação não é aleatório, mas deve haver um critério que todas as partes desse sistema seguem, para que sua interação possa criar e sustentar essa ordem. A seleção natural, que é o mecanismo mais básico de toda formação emergente de ordem, é um processo no qual os organismos ou memes que estão sujeitos à seleção devem compartilhar um mesmo ambiente, com regras naturais que se apliquem igualmente a todos, com base nas quais a seleção é feita. No caso da seleção natural, ela acontece com base nas leis da física, por meio das quais a informação pode ser propagada, transmitida ou reproduzida. No mercado, a seleção natural acontece com base na lei de propriedade privada e trocas voluntárias. E da mesma forma, a seleção natural, e portanto qualquer formação de ordem emergente, devem sempre acontecer com base na adequação a regras naturais. No nível mais abstrato, todas as regras naturais dependem da regra natural da lógica.

Descentralização como Ordem Natural

A descentralização não é desordem, mas sim a determinação de sistemas com base em leis naturais. Essa adequação a leis naturais, por sua vez, gera a tendência a uma ordem informacional cada vez maior, por ser o critério que permite a seleção natural da informação. Informações genéticas, meméticas, econômicas, digitais, tornam-se cada vez mais transmissíveis e processadas por sistemas, conforme eles desenvolvem uma ordem descentralizada cada vez mais resiliente. Essa ordem descentralizada e resiliente é favorecida pela seleção natural por um motivo simples: o controle descentralizado, permitindo a competição e evitando bloqueios informacionais, é mais eficiente em permitir a evolução por seleção natural, não apenas de organismos, mas de sociedades, culturas, economias e tecnologias, que é baseada na competição sob uma regra natural, ou seja, na descentralização. Sistemas descentralizados são mais eficientes no seu funcionamento, transmissibilidade e processamento de informação, e velocidade pela qual evoluem.

Descentralização como Tendência Natural

Não apenas a descentralização de sistemas é a base da formação de ordem informacional, mas a ordem informacional tende ao aumento e fortalecimento da descentralização de sistemas. A descentralização emerge como tendência porque sistemas descentralizados apresentam vantagens estruturais sobre sistemas centralizados. Por exemplo, em uma sociedade ditatorial, o estado interfere na economia, cobrando impostos e se apropriando do que é produzido. Isso prejudica o reinvestimento do lucro em mais produção, e diminui a produção e riqueza total da sociedade. Sociedades mais descentralizadas, portanto, produzem mais, e fazem seus meios de produção crescerem mais. Isso leva à tendência, pela seleção natural, ao longo do tempo, de prevalência cada vez maior da liberdade econômica, e maior tendência ao colapso e estagnação em ditaduras e economias centralizadas.

Não apenas os sistemas descentralizados crescem mais por retroalimentação, mas sua resiliência também cresce por seleção natural. Por exemplo, sociedades mais descentralizadas e produtivas podem investir mais valor no desenvolvimento tecnológico, para aumentar a produtividade dos meios de produção, incluindo suas técnicas e tecnologias. Essas tecnologias permitem novas formas de segurança: armamento, muros, fechaduras, comunicação à distância, conhecimento, pensamento crítico, liberdade de expressão, e até a criptografia e segurança digital. Dessa forma, a descentralização, favorecida pela seleção natural, também torna-se cada vez mais resiliente ao longo do tempo. Mas esse processo é gradual, e coexiste com a centralização, que continuará explorando novas vulnerabilidades a cada etapa evolutiva.

Os próprios controladores centralizados também são, eles próprios, formados pela ordem emergente. Por exemplo, um ditador é um ser inteligente, cuja rede neural é descentralizada, cada neurônio funcionando de forma autônoma, sem um neurônio central. Dessa forma, toda ordem é, fundamentalmente, originada de forma emergente e descentralizada, e tende a uma descentralização cada vez maior.

Descentralização como Estrutura Informacional

Assim como a seleção natural é um processo informacional, se aplicando a informações genéticas, meméticas, sociais, tecnológicas e digitais, a descentralização também é um processo informacional, sendo ambos interdependentes. A seleção natural é acelerada pela descentralização, e a descentralização torna-se mais resiliente a controladores centrais, conforme os sistemas passam por seleção natural, tornando-se mais eficientes em transmitir sua informação e não ter sua informação bloqueada. A transmissão de informação inclui a sobrevivência (transmitir a própria informação para o futuro), a reprodução (transmitir a própria informação para descendentes), a ação e comportamento (usar recursos para finalidades). A eficiência produtiva também é informacional, pois a produção de valor econômico permite a retroalimentação de sistemas: permite a sobrevivência, reprodução e amplia o alcance do comportamento de um sistema, como organismos, máquinas, indivíduos ou algoritmos. Sistemas eficientes em aumentar seus recursos disponíveis são mais eficientes em propagar informação.

Descentralização Social e Jurídica

No âmbito social e jurídico, a regra natural é a propriedade privada, por ser a única lei capaz de evitar todos os conflitos, caso sempre seja seguida. A dedução dessa lei foi feita, detalhadamente, no artigo “Fundamentos da Ética Libertária”. O (livre) mercado é a aplicação social e econômica da descentralização, em que a concorrência e ausência de regulações e impostos, características da descentralização do sistema social, tornam o sistema mais eficiente que a sua contraparte centralizada, baseada no monopólio do estado.

Controle Descentralizado e Distribuído

Sendo a determinação por regras naturais o critério da descentralização, segue que, em alguns sistemas, o controle pode ser distribuído, mas ainda assim, centralizado. Por exemplo, em sociedades controladas por múltiplas milícias, que competem entre si, o controle pode parecer distribuído entre os grupos de bandidos, mas é um tipo de controle centralizado, pois a regra natural social, a propriedade privada, é violada sistematicamente, podendo ser violada com mais frequência e intensidade que em grandes territórios em que um único estado prevaleça. Portanto, nem toda distribuição do controle é descentralizada. O respeito à lei natural da propriedade privada, no entanto, aumenta o controle de cada proprietário sobre sobre sua propriedade e sobre si mesmo e, desta forma, toda descentralização implica a distribuição do controle.

Toda a Realidade é Descentralizada?

Este conceito de descentralização pode levar à seguinte pergunta: se todos os sistemas que são totalmente determinados por leis naturais são descentralizados, então não seriam todos os sistemas descentralizados, já que todos seguem as leis da lógica, matemática e física? No âmbito físico, em que todos os eventos seguem as mesmas leis básicas, sim, todos os sistemas físicos são descentralizados, mas, por exemplo, no âmbito social, indivíduos e sociedades seguem múltiplas regras e leis diferentes e impostas arbitrariamente. Por isso, no âmbito social, econômico, e outros de complexidade equivalente ou maior, os sistemas podem ser mais centralizados ou mais descentralizados.

Mesmo no âmbito físico, digamos que uma simulação digital de um universo seja criada e, nessa simulação, um controlador central possa, exclusivamente, violar as leis físicas deste universo. É, portanto, questionável até mesmo se as leis da física são necessariamente descentralizadas, para todos os universos.

Autonomia

Em um sistema ou rede descentralizado, as partes, ou nodos, determinam seu próprio comportamento com base em feedbacks naturais, de forma independente de uma autoridade central, sendo, nessa extensão, autônomas, enquanto em um sistema centralizado, nodos têm seu comportamento determinado por outros nodos ou grupos de nodos. A autonomia, dessa forma, é o controle descentralizado. Feedbacks podem ser considerados naturais quando não são controlados por entidades, organismos ou máquinas específicos, mas são transmitidos pela interação descentralizada com o ambiente ou outras partes do sistema. Sistemas podem ter diferentes graus de centralização ou descentralização, de acordo com o quão autônomos são as suas partes ou nodos. A descentralização é um espectro ou um processo gradual, em que diferentes sistemas ou organizações têm níveis variados de descentralização em suas estruturas e processos de controle. Não é uma condição binária, mas sim um continuum que vai de totalmente centralizado a totalmente descentralizado, com muitos estágios intermediários. Além disso, esses graus se aplicam a múltiplos âmbitos separadamente, como o físico, econômico, ético, computacional, etc.

Centralização

Um sistema é centralizado à medida que não se adequa a regras naturais, por exemplo, em que organismos ou máquinas controlam as partes do sistema de forma a quebrar alguma regra natural. Por exemplo, se a regra natural do mercado é a propriedade privada, e um monopólio imposto pela força quebra essa regra, então esse monopólio é um sistema centralizador do mercado e da sociedade. Todo sistema cuja ordem é gerada e mantida de forma emergente, e pela interação entre comportamentos autônomos, tem a descentralização como fundamento e origem da sua ordem. Ou seja, a ordem emerge com base na competição de formas dentro de alguma regra natural em comum, como a lógica ou as leis da física. No entanto, essa descentralização no nível fundamental não necessariamente se aplica a todos os âmbitos do sistema, e um sistema baseado na descentralização pode conter centralização parcial. Por exemplo, um sistema social pode ser descentralizado no nível em que todas as suas partes seguem as leis naturais da física, competindo assim pela seleção natural, mas ser centralizado no âmbito social, em que o estado controle indivíduos violando regras naturais sociais.

Ordem Dirigida e Hierarquia

É importante notar que, embora toda ordem emergente seja descentralizada, nem toda ordem dirigida é centralizada. Centralização não é a mesma coisa que direção e hierarquia. Por exemplo, uma empresa que funciona no livre mercado pode ser dirigida por um diretor, no entanto, se esse diretor é, ou foi escolhido, pelo proprietário da empresa, essa direção e hierarquia é descentralizada, pois se adequa à regra natural do sistema social, de propriedade privada, e permite a livre competição com outras empresas, proprietários e diretores. Já um estado que estabelece uma empresa estatal como monopolista em um setor é uma hierarquia centralizada. Uma sociedade em que pequenas milícias brigam entre si e controlam pequenos territórios também é socialmente centralizada, pois ainda que haja uma ordem emergente da competição entre as milícias, essa competição viola sistematicamente a regra natural de propriedade privada, ainda que não se adeque a uma hierarquia unificada.